sábado, 5 de dezembro de 2009

Saga de Severinin


Peço atenção dos senhores

Pra história que eu vou contar

Falo de Severinin lavrador tão popular

Que morava numa palhoça

E cultivava uma roça perto de Taperoá

E Severinin todo dia lavrava a terra macia

E terra lavrada é poesia

Mexe com a mão na terra

Sobe essa serra corta esse chão

Planta que a planta ponte

Por esses montes lã d'algodão

Severinin vivia até feliz

Enchendo os olhos com bem d'rais

E mesmo a plantação tava bonita em flor

E a seu lado sua companheira

Tinha o seu amor

Mas como diz o ditado e haverá de se esperar

Depois de tudo plantado

Fazendeiro pede pra Severinin desocupar

Já tinha até fruta madura

Jirimum enrramando no terreiro

E tinha até um passarinho

Que além de ser seu vizinho

Ficou muito companheiro

Chega tanta incerteza

A alma presa quer se soltar

Luta, luta sozinho

Qual o caminho de libertar

Severinin ficou sozinho e só

Ingratidão não pode suportar

Correu para o sul

Aí a construção se viu

De uma vez por todas

De uma vez por todas

Desabar.


Vital Farias

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Joyceanas I


Remexe para todos os lados, sacudidela do diabo, mormaço insuportável, cadeira com defeito, gente de mau humor. Preocupações mil na mente, patroa irritante que a espera com intermináveis reclamações, e aquele velho desejo de voltar para a Bahia...ah, mainha, o que eu tô caçando aqui?

Sente vergonha de olhar as pessoas de frente, fugindo da triste constatação de se perceber animalesca, rastejando por um lugar ao disputado Sol. Esconde as marcas de trabalho, mas não consegue camuflar o cheiro enojante de água sanitária que, ironicamente, lava a podridão das vestimentas de sua vil patroa, manchando seu destino de exilada...oxi, maninha, num tem mais daquela lavanda?

Emaranha-se numa paixão passageira, esquecendo-se e deixando dominar-se nos braços fortes de um pobre coitado que, gradativamente, vai perdendo seu sorriso, sotaque e sonhos...ô dengo, bebe mais não, fica aqui comigo?

Não consegue balbuciar uma oração, porque Jesus, Nosso Senhor, é propriedade de igrejas portentosas e demasiado rígidas pra seu cristianismo primitivo e vulgar. Sente o peito amargurado e oco, desprovido que é de toda transcendência ou desígnio salvífico... vó Maria, reza uma novena pra Nossa Senhora das Cabeça, reza?

Sabe que vai morrer assim: sem chão, sem pátria, olhando de soslaio os sonhos se distanciarem. Perdeu a esperança, a gana da vitória e o desejo de sorrir. É mais uma, entre tantas, que carrega o peso de não ser merda nenhuma e, tristemente, dá-se conta disso a todo momento. Sem nome, sem rosto, sem corpo, sem expectativa, sem origens, sem identidade, sem fé, sem qualificação, sem cultura, sem...

- Amiga, sabe aquela minha empregada?

- Lembro-me vagamente.

- Ligaram avisando que se matou antes de ontem.

- Mesmo?

- Sim...Horrível isso. Afinal, quem vai arrumar a casa para a festa de hoje à noite?

- Nossa, e agora?

- Vou ter que correr atrás de outra... Sabe, te confesso uma coisa: aquelazinha nunca me enganou...




Matheus, mais um exilado.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Se eu fosse Deus


Se eu fosse Deus, acabaria com a mediocridade do mundo. Explodiria toda tentativa de certeza escondida no desejo humano de estagnar-se. Construiria uma ponte entre as relações cambaleantes dos que, céticos (ou medrosos), procuram matar o amor ou transmudar este infinito sentimento em meros gestos de formalidade. Colocaria o sorriso no rosto da bailarina derrotada pelos jurados e daria voz ao estudante gago que fracassou nos exames finais. Impulsionaria o velho a aprender o idioma mais difícil da Terra e faria do abraço o gesto universal do reconhecimento verdadeiro de fraternidade e paz. Se eu fosse o Todo-Poderoso, pularia carnaval com os bêbados e viciados e, talvez, burlaria as regras, só para provar que o mal traçado também tem sua razão de existir. Andaria com os poetas loucos e faria deles, e só deles, meus autênticos pregadores. Vestiria o traje de festa para seduzir os coxos e maculados, afinal as máscaras não têm sentido quando se apreende o sentido último do viver. Enfim, abdicaria de minha função de juiz e, como criança, aprenderia que nada sou sem os outros, sobretudo sem aqueles que não dão a mínima para meus sonhos e dúvidas.

sábado, 26 de setembro de 2009

Ela



Ela só queria um beijo de ternura. Seus olhos fundos de tanto lastimar o tempo perdido clamavam atenção como aquele semblante infantil que implora um doce. Em seu rosto reluzia a inocência perdida, porém estranhamente presente.
Queria fazer morada em seu corpo, mas como apagaria a mágoa dos sentimentos secos e perversos? Sua linda voz ainda se fazia presente em meus sonhos mais tenebrosos fazendo com que aquela lembrança amarga de sofrimento se dissipasse com sua presença.
Agarrando-se no que resta de amor e admiração eu a seguia. Buscando corresponder a todos seus desejos e experiências de afeto, gostava de ser apossado por sua vontade, de ser beijado e devotamente explorado à luz baixa do abajur. Meu coração se tornava o altar donde se imolavam todos seus extravasamentos de amante, mulher, fêmea, gente.
Timidamente nos alojamos no entrelaçar de nossas almas, experimentando o gozo angelical da liberdade de cuidar e tocar a beleza última. Loucamente entregues à marcha da admiração recíproca não nos preocupávamos com o amanhã, tudo é hoje, tudo é nosso, tudo é teu-nosso-meu olhar e sentir.
Mesmo céticos, acreditávamos piamente no milagre que transcendia nossos limites e crueldades. Transparecia o testemunho de caminho acertado, brotando em nossas experiências a mais bela semente: ela era, tínhamos certeza, ela era.
Sussurrando verdades só a nós reveladas, não poderíamos mais cair no erro das vaidades e desperdiçar a única chance que nos resta. Prudentemente arriscávamos num afagar de mãos desafiar a culpa, expulsar o ódio e mergulhar o coração no mais belo banho de realidade.
Sem arquitetar nenhuma dissimulação dei-lhe o beijo de ternura e selei nossa passagem para o mundo do imutável e da contemplação daquela que nos fascinava e que nascia em nosso interior: vida, simplesmente, vida.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Apenas uma folha



Ao saudoso Romeu Dale.


Por que o outono parece tão cinzento ao meu olhar? A soma de sentimentos vazios de sentido e de esperança penetra-me os ossos fazendo com que todo meu pobre e limitado corpo sofra de calafrios e daquela lembrança triste de finitude.
Não conseguiria caminhar sorridente como outrora, pois a estranheza em vivenciar passagens distantes de uma alegria velha me levaria ao desespero da busca infundada pela verdade perdida; aquela mesma verdade que passou e se transformou com o passar dos anos e outonos.
A vida persiste em brincar de palhaço, tentando transpor em felicidade o que só é tragédia e estranheza, esvaindo-se como as folhas que caem no meu jardim. Ela não cessa de encenar a sede de totalidade, e a zombaria de ser maior frente à minha inutilidade.
Falta-me força para entoar uma canção da pátria distante ou para declamar o poema há muito preparado para a amada, que de tanto brincar com o mistério foi por ele absorvida. Porventura resta-me algo? Serei eu um triste pajem que luta contra sua vontade de enlouquecer e de se dar por aniquilado?
No afã de responder a tudo e a todos, quedei-me excluído e odiado; solitário sem alma e sonhos enganadores, assistindo ao fracasso de projetos enfadonhos, de gente cuja virtude é o retrocesso e a falsidade. Perplexo, avisto pessoas que resumem suas vidas num desejo imbecil de se esquecer da realidade que sufoca e silencia.
Mergulhado na indiferença, experimento atônito uma beleza que me leva às lagrimas. Choro como criança perdida, consciente de que o mundo não me consolará. Porém poderei, embalado pelas folhas de outono, sentir o vento que inquieta e aquece (mesmo sendo ar gelado) os mais recônditos impulsos.
Já nem posso andar direito, porém a morte já se aproxima, sinto-a. Vem acompanhada dos mais estonteantes delírios, que farão meu ser se sentir livre ou perdido no nada. Quero encontrar algo que me explique ou que ao menos me console desta árdua tarefa de contemplar o obscuro e ainda chorar como se o desnudar da árvore fosse o mais belo espetáculo do mundo (dos mortos?!).
A folha cai, a gota desaba na pia velha, o vento passeia distante, a madeira range harmoniosa, a respiração se esvai aos poucos, a vista começa a fraquejar e perceber apenas o cinza sinal de adeus, o peito se enfraquece, a razão vai se tornando débil e ao mesmo tempo reveladora de um fim que magicamente remete ao começo no primeiro pranto do nascimento. Choro agora, não para anunciar minha imperiosa chegada, mas sim para sussurrar meu tímido e apaixonado fim.

domingo, 20 de setembro de 2009

Falta de inspiração

Há tempos criei este espaço, mas não tive tempo (ou vontade) para atualizá-lo com a devida frequência. Hoje, por total falta de inspiração para concluir um trabalho, resolvi retomar (ou começar!) minhas postagens por aqui. Faço isso, mesmo sabendo que, certamente, ninguém lerá.

Enfim, São Paulo tem aquele clima chato e nublado e eu gostaria de não ter compromissos com prazo para me entregar livremente à leitura de Eliot e Eckhart. Dias virão....