sábado, 26 de setembro de 2009

Ela



Ela só queria um beijo de ternura. Seus olhos fundos de tanto lastimar o tempo perdido clamavam atenção como aquele semblante infantil que implora um doce. Em seu rosto reluzia a inocência perdida, porém estranhamente presente.
Queria fazer morada em seu corpo, mas como apagaria a mágoa dos sentimentos secos e perversos? Sua linda voz ainda se fazia presente em meus sonhos mais tenebrosos fazendo com que aquela lembrança amarga de sofrimento se dissipasse com sua presença.
Agarrando-se no que resta de amor e admiração eu a seguia. Buscando corresponder a todos seus desejos e experiências de afeto, gostava de ser apossado por sua vontade, de ser beijado e devotamente explorado à luz baixa do abajur. Meu coração se tornava o altar donde se imolavam todos seus extravasamentos de amante, mulher, fêmea, gente.
Timidamente nos alojamos no entrelaçar de nossas almas, experimentando o gozo angelical da liberdade de cuidar e tocar a beleza última. Loucamente entregues à marcha da admiração recíproca não nos preocupávamos com o amanhã, tudo é hoje, tudo é nosso, tudo é teu-nosso-meu olhar e sentir.
Mesmo céticos, acreditávamos piamente no milagre que transcendia nossos limites e crueldades. Transparecia o testemunho de caminho acertado, brotando em nossas experiências a mais bela semente: ela era, tínhamos certeza, ela era.
Sussurrando verdades só a nós reveladas, não poderíamos mais cair no erro das vaidades e desperdiçar a única chance que nos resta. Prudentemente arriscávamos num afagar de mãos desafiar a culpa, expulsar o ódio e mergulhar o coração no mais belo banho de realidade.
Sem arquitetar nenhuma dissimulação dei-lhe o beijo de ternura e selei nossa passagem para o mundo do imutável e da contemplação daquela que nos fascinava e que nascia em nosso interior: vida, simplesmente, vida.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Apenas uma folha



Ao saudoso Romeu Dale.


Por que o outono parece tão cinzento ao meu olhar? A soma de sentimentos vazios de sentido e de esperança penetra-me os ossos fazendo com que todo meu pobre e limitado corpo sofra de calafrios e daquela lembrança triste de finitude.
Não conseguiria caminhar sorridente como outrora, pois a estranheza em vivenciar passagens distantes de uma alegria velha me levaria ao desespero da busca infundada pela verdade perdida; aquela mesma verdade que passou e se transformou com o passar dos anos e outonos.
A vida persiste em brincar de palhaço, tentando transpor em felicidade o que só é tragédia e estranheza, esvaindo-se como as folhas que caem no meu jardim. Ela não cessa de encenar a sede de totalidade, e a zombaria de ser maior frente à minha inutilidade.
Falta-me força para entoar uma canção da pátria distante ou para declamar o poema há muito preparado para a amada, que de tanto brincar com o mistério foi por ele absorvida. Porventura resta-me algo? Serei eu um triste pajem que luta contra sua vontade de enlouquecer e de se dar por aniquilado?
No afã de responder a tudo e a todos, quedei-me excluído e odiado; solitário sem alma e sonhos enganadores, assistindo ao fracasso de projetos enfadonhos, de gente cuja virtude é o retrocesso e a falsidade. Perplexo, avisto pessoas que resumem suas vidas num desejo imbecil de se esquecer da realidade que sufoca e silencia.
Mergulhado na indiferença, experimento atônito uma beleza que me leva às lagrimas. Choro como criança perdida, consciente de que o mundo não me consolará. Porém poderei, embalado pelas folhas de outono, sentir o vento que inquieta e aquece (mesmo sendo ar gelado) os mais recônditos impulsos.
Já nem posso andar direito, porém a morte já se aproxima, sinto-a. Vem acompanhada dos mais estonteantes delírios, que farão meu ser se sentir livre ou perdido no nada. Quero encontrar algo que me explique ou que ao menos me console desta árdua tarefa de contemplar o obscuro e ainda chorar como se o desnudar da árvore fosse o mais belo espetáculo do mundo (dos mortos?!).
A folha cai, a gota desaba na pia velha, o vento passeia distante, a madeira range harmoniosa, a respiração se esvai aos poucos, a vista começa a fraquejar e perceber apenas o cinza sinal de adeus, o peito se enfraquece, a razão vai se tornando débil e ao mesmo tempo reveladora de um fim que magicamente remete ao começo no primeiro pranto do nascimento. Choro agora, não para anunciar minha imperiosa chegada, mas sim para sussurrar meu tímido e apaixonado fim.

domingo, 20 de setembro de 2009

Falta de inspiração

Há tempos criei este espaço, mas não tive tempo (ou vontade) para atualizá-lo com a devida frequência. Hoje, por total falta de inspiração para concluir um trabalho, resolvi retomar (ou começar!) minhas postagens por aqui. Faço isso, mesmo sabendo que, certamente, ninguém lerá.

Enfim, São Paulo tem aquele clima chato e nublado e eu gostaria de não ter compromissos com prazo para me entregar livremente à leitura de Eliot e Eckhart. Dias virão....