sexta-feira, 14 de setembro de 2012
O exílio também é uma vereda...
sexta-feira, 3 de junho de 2011
VIA CRUCIS
Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada...
F. Pessoa
Por que há alguma coisa em vez do nada?
Leibniz
Todos têm certa predisposição à loucura. Ele não conseguia se desvencilhar da opaca imagem que invadia sua mente naquela tarde de verão. Olhos ziguezagueando em órbitas distantes, um escondido tique nervoso que resolve importunar quando menos se espera, palavras desconexas como grunhidos de animal primitivo que fora no princípio. Tudo estava emaranhado em sua memória e, a partir daquele torturante momento, resolvera habitar seu minúsculo apartamento e se espalhar, como uma teia pecaminosa, por todos os recantos da cidade. Inflamava as massas, bem sabia. Confundia-se no sorriso maroto da criança de colo. Driblava o vento sorrateiro – advento de águas torrenciais – para se esconder em saias destemidas e tentadoras.
Deitado no canto mais escuro da sala de estar fitava, como o leão a espreitar sua presa, a fugidia lembrança do desespero no qual sua pobre carcaça (não poderia conceber uma alma, piamente cria) se encarcerou. Riu alto para talvez espantar o princípio de sua temerosa perda de sentido. Tateava a parede branca e velha, errando à procura da segunda e derradeira chance de traduzir o vazio que o preenchia e incomodava como um vômito nas premências de vir a ser.
Concluir que a derrota é o único caminho seria fácil demais, ele sabiamente desconfiava. Encaminhou-se trôpego para a sacada do apartamento e, num lampejo de ingenuidade, deixou a luz confusa que banhava os prédios tortos e cinzentos invadir seu olhar. Naquele instante, teve medo. Passagens longínquas bailavam sob o céu, como um apocalipse imanente e sem sombras de salvação. Primeira surra no colegial, último beijo apaixonado, certos acenos das férias infernais no interior, conflitos intermináveis na repartição pública, sorrisos, olhares, prazeres, ranger de dentes. Aquilo tudo exposto em nuvens que, em breve, tornar-se-iam pancadas de chuva. It’s raining cats and dogs, certamente ouviu em algum lugar.
Correu para cozinha e procurou algo forte para enfiar goela abaixo. Bebe tu teu próprio veneno, como tantas vezes recitou, obrigado, no colégio católico da juventude.
Matheus Pazos.
Crédito da imagem: Ocean Greyness, de Jackson Pollock - extraído de http://serurbano.wordpress.com/2008/09/09/jackson-pollock/
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
sábado, 5 de dezembro de 2009
Saga de Severinin
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Joyceanas I
Sente vergonha de olhar as pessoas de frente, fugindo da triste constatação de se perceber animalesca, rastejando por um lugar ao disputado Sol. Esconde as marcas de trabalho, mas não consegue camuflar o cheiro enojante de água sanitária que, ironicamente, lava a podridão das vestimentas de sua vil patroa, manchando seu destino de exilada...oxi, maninha, num tem mais daquela lavanda?
Emaranha-se numa paixão passageira, esquecendo-se e deixando dominar-se nos braços fortes de um pobre coitado que, gradativamente, vai perdendo seu sorriso, sotaque e sonhos...ô dengo, bebe mais não, fica aqui comigo?
Não consegue balbuciar uma oração, porque Jesus, Nosso Senhor, é propriedade de igrejas portentosas e demasiado rígidas pra seu cristianismo primitivo e vulgar. Sente o peito amargurado e oco, desprovido que é de toda transcendência ou desígnio salvífico... vó Maria, reza uma novena pra Nossa Senhora das Cabeça, reza?
Sabe que vai morrer assim: sem chão, sem pátria, olhando de soslaio os sonhos se distanciarem. Perdeu a esperança, a gana da vitória e o desejo de sorrir. É mais uma, entre tantas, que carrega o peso de não ser merda nenhuma e, tristemente, dá-se conta disso a todo momento. Sem nome, sem rosto, sem corpo, sem expectativa, sem origens, sem identidade, sem fé, sem qualificação, sem cultura, sem...
- Amiga, sabe aquela minha empregada?
- Lembro-me vagamente.
- Ligaram avisando que se matou antes de ontem.
- Mesmo?
- Sim...Horrível isso. Afinal, quem vai arrumar a casa para a festa de hoje à noite?
- Nossa, e agora?
- Vou ter que correr atrás de outra... Sabe, te confesso uma coisa: aquelazinha nunca me enganou...
Matheus, mais um exilado.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Se eu fosse Deus
sábado, 26 de setembro de 2009
Ela
Ela só queria um beijo de ternura. Seus olhos fundos de tanto lastimar o tempo perdido clamavam atenção como aquele semblante infantil que implora um doce. Em seu rosto reluzia a inocência perdida, porém estranhamente presente.
Queria fazer morada em seu corpo, mas como apagaria a mágoa dos sentimentos secos e perversos? Sua linda voz ainda se fazia presente em meus sonhos mais tenebrosos fazendo com que aquela lembrança amarga de sofrimento se dissipasse com sua presença.
Agarrando-se no que resta de amor e admiração eu a seguia. Buscando corresponder a todos seus desejos e experiências de afeto, gostava de ser apossado por sua vontade, de ser beijado e devotamente explorado à luz baixa do abajur. Meu coração se tornava o altar donde se imolavam todos seus extravasamentos de amante, mulher, fêmea, gente.
Timidamente nos alojamos no entrelaçar de nossas almas, experimentando o gozo angelical da liberdade de cuidar e tocar a beleza última. Loucamente entregues à marcha da admiração recíproca não nos preocupávamos com o amanhã, tudo é hoje, tudo é nosso, tudo é teu-nosso-meu olhar e sentir.
Mesmo céticos, acreditávamos piamente no milagre que transcendia nossos limites e crueldades. Transparecia o testemunho de caminho acertado, brotando em nossas experiências a mais bela semente: ela era, tínhamos certeza, ela era.
Sussurrando verdades só a nós reveladas, não poderíamos mais cair no erro das vaidades e desperdiçar a única chance que nos resta. Prudentemente arriscávamos num afagar de mãos desafiar a culpa, expulsar o ódio e mergulhar o coração no mais belo banho de realidade.
Sem arquitetar nenhuma dissimulação dei-lhe o beijo de ternura e selei nossa passagem para o mundo do imutável e da contemplação daquela que nos fascinava e que nascia em nosso interior: vida, simplesmente, vida.